«Recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas os males.
Agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado»
«Se recebemos os bens da mão de Deus, não aceitaremos também os males?» (Jb 2, 10). Nesta vida tudo se recebe – os bens e os males? – para tudo se dar a todos, especialmente ao pobre, chamado Lázaro, isto é, “El-azar”, que quer dizer «Deus vem em meu auxílio», o qual, paradoxalmente, recebe apenas os males nesta vida, mas, na ressurreição, recebe a consolação no seio de Abraão. «A sentença foi dada conforme o comportamento de cada um deles». O rico foi condenado porque não prestou atenção a Lázaro, o pobre que jazia à sua porta, desejoso de saciar-se do que caía da mesa. Fingiu não ver o pobre Lázaro. O Lázaro do século XXI jaz à nossa porta. Fingimos que não o vemos? «Todos os dias podemos encontra Lázaro, se o procurarmos, e todos os dias nos deparamos com ele, mesmo sem o procurar». No dia do juízo final, descobriremos que Deus está com os pobres. Nesta vida, a prioridade e a dignidade é dada aos ricos e a exclusão e marginalização é dada aos pobres. Na outra vida, a prioridade e a exaltação será dada aos pobres e a exclusão e a humilhação será dada aos ricos egoístas. Não somos donos dos dons de Deus, mas administradores que partilham com os irmãos os bens de todos.
Todos nascemos, todos morremos. O pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão, pois é «filho de Abraão». O homem rico, tão pobre espiritualmente que nem nome tem, morreu também e foi sepultado. Atormentado na mansão dos mortos, no meio das chamas, grita aflito pela compaixão do Pai Abraão para que envie o rico Lázaro a ter um gesto de amor e lhe refresque a língua. Os novíssimos do homem são a morte, o juízo, o inferno ou o paraíso. A morte muda radicalmente a sorte, o destino final dos humanos. Depois da morte vem o juízo final que separa definitivamente o Céu do Inferno: «Afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo do inferno». O pecado de omissão é a nossa insensibilidade e imisericórdia para com os pobres: «A Mim o deixastes de fazer». A compaixão e as obras de misericórdia espirituais ou materiais fazem-nos entrar no «banquete do Reino»: «Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o reino».
Abraão respondeu-lhe: ‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas os males. Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado. Existe um grande abismo entre o Céu e o Inferno que é infranqueável. Lázaro não é enviado com a água. Então, pede a Abraão que mande Lázaro à sua casa paterna para que previna os cinco irmãos, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Pedido não atendido. Disse-lhe Abraão: ‘Eles têm Moisés e os Profetas: que os oiçam’. O rico não ouviu a Palavra de Deus e não saiu do seu egoísmo, não amou nem partilhou com o pobre, não se converteu a Deus nem praticou a nova justiça do Reino. É necessário escutar a Sagrada Escritura para acreditar na ressurreição dos mortos: «Acreditas, nisto?». «Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?».
Tal como o homem rico, também os seus irmãos não ouvem a Sagrada Escritura, não se convertem para receber a vida. Falha a argumentação bíblica da Palavra de Deus. O homem rico recorre à nova argumentação da mediação de algum dos mortos: Ele insistiu: ‘Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles, arrepender-se-ão’. Falha a argumentação da mediação de Lázaro, como virá, mais tarde, a falhar a mediação de Jesus Ressuscitado. Abraão respondeu-lhe: ‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, também não se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dos mortos’». «Jesus Cristo, sendo rico, Se fez pobre, para nos enriquecer na sua pobreza». Os discípulos, a caminho de Jerusalém, onde Jesus morre e ressuscita, aprendem do Mestre a escutar da Sagrada Escritura, a Palavra de Deus, a fazer a vontade de Deus, a realizar a sua obra de salvação do mundo. «Cristo morreu segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras». Sendo fiéis à profissão de fé pascal e batismal de morte e ressurreição com Cristo, combatendo o bom combate da fé e guardando o mandamento do Senhor até que Ele venha conquistam a vida eterna, entram no «Reino de Deus», pois são «filhos de Deus».
A decisão é eterna, mas jogamos hoje o nosso destino final: «Bem-aventurados os pobres», «Ai de vós, os ricos». Ricos e pobres são criados por Deus e resgatados pelo sangue precioso de Cristo. «Deus quer salvar todos os homens». «Deus quer salvar os ricos da sua riqueza e os pobres da sua miséria». «Deus ama os pobres e eleva-os da sua humilhação». «O nosso destino eterno está condicionado pela nossa atitude de amor e serviço aos pobres». «A terra não pertence à casta dos ricos, mas a todo o género humano. Por isso, o que se vos pede não é que façais graciosamente um pouco de beneficência: pede-se-vos que pagueis a vossa dívida». «Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não O desprezes nos seus membros, isto é, nos pobres». Ouçamos o Senhor que nos fala pela Sagrada Escritura e façamos a Sua vontade, aqui e agora, pois, depois da morte, será demasiado tarde para nos corrigirmos do nosso egoísmo. «Olhamos com reverência as pessoas famosas, de alto nível, admiradas pelo mundo, e afastamos o olhar dos inúmeros Lázaros de hoje, dos pobres e dos doentes, que são os prediletos do Senhor».
Tenho um «coração de rico» ou um «coração de pobre»? Quem não faz caso da Sagrada Escritura e vive fechado no seu egoísmo não fará parte o mundo novo da fraternidade que Deus quer para todos os homens. «Semeai na terra o amor, e o amor germinará no Céu». «As pequenas ações feitas por amor cativam o coração de Jesus». «Nada fica nas minhas mãos. Tudo o que tenho, tudo o que ganho, é para a Igreja e para as almas. Mesmo que eu viva até aos 80 anos, serei sempre assim pobre».
«Se tivesse sido rica, ter-me-ia sido impossível ver a um pobre sem lhe dar imediatamente dos meus bens. Assim à medida que ganho algum tesouro espiritual, sabendo que nesse instante há almas que estão em perigo de cair no inferno, dou-lhes tudo o que possuo e ainda não encontrei um momento para me dizer: agora vou trabalhar para mim».
Padre Manuel Reis